A psilocibina, principal composto presente em algumas espécies de cogumelos conhecidos como “mágicos”, vem sendo estudada intensamente por universidades e centros médicos ao redor do mundo. Muito além do imaginário cultural, a ciência tem mostrado que seus efeitos vão muito além de alterações perceptivas passageiras: trata-se de uma substância capaz de induzir estados cerebrais profundamente reorganizadores, com potencial terapêutico em condições como depressão resistente, ansiedade e dependência química.
Mas afinal, o que acontece no cérebro humano quando a psilocibina entra em ação?
A ligação com os receptores de serotonina
Ao ser ingerida, a psilocibina é convertida em psilocina, molécula que se liga principalmente aos receptores de serotonina do tipo 5-HT2A, localizados em áreas-chave do córtex pré-frontal. Essa região é responsável por funções como atenção, regulação emocional, planejamento e percepção.
Essa interação desencadeia uma cascata de efeitos neuroquímicos que mudam temporariamente a forma como diferentes áreas do cérebro se comunicam. Segundo estudos conduzidos pela Johns Hopkins University (EUA) e pelo Imperial College London (Reino Unido), é essa reorganização da comunicação neural que explica tanto a expansão de consciência quanto os potenciais efeitos terapêuticos observados em pacientes.
Hiperconectividade: quando o cérebro conversa mais
Pesquisas de neuroimagem funcional (fMRI) mostram que, sob a ação da psilocibina, o cérebro entra em um estado de hiperconectividade funcional. Isso significa que áreas que normalmente não interagem de forma tão intensa passam a se comunicar de maneira ampla e criativa.
Estudos publicados no Proceedings of the National Academy of Sciences pelo grupo de Robin Carhart-Harris, no Imperial College London, revelaram que a psilocibina aumenta a conectividade entre regiões ligadas à emoção, percepção sensorial, memória e linguagem (DOI: 10.1073/pnas.1518377112).
Na prática, essa hiperconexão pode explicar relatos de insights profundos, sensações de unidade e criatividade ampliada. É como se o cérebro ficasse temporariamente menos rígido e mais aberto a experimentar novas combinações de pensamentos e sentimentos.
A Rede de Modo Padrão: desacelerando o “piloto automático”
Um dos achados mais consistentes da neurociência psicodélica é a diminuição da atividade da Rede de Modo Padrão (DMN, Default Mode Network). Essa rede é responsável por manter a mente em funcionamento automático: pensamentos autorreferenciais, ruminação e construção da identidade (o “ego”).
Quando a DMN desacelera, o cérebro fica menos preso a padrões mentais repetitivos. Esse efeito é considerado crucial em terapias para depressão resistente, pois muitos pacientes sofrem justamente de pensamentos circulares negativos.
O estudo multicêntrico publicado no New England Journal of Medicine comparou psilocibina com antidepressivos tradicionais (escitalopram) em pacientes com depressão maior resistente, mostrando reduções significativas de sintomas com o psicodélico (DOI: 10.1056/NEJMoa2032994).
O hipocampo e a memória emocional
O hipocampo, área ligada à memória e ao processamento emocional, também ganha destaque sob o efeito da psilocibina. Pesquisas conduzidas na NYU Grossman School of Medicine e na Yale University indicam que essa região se torna mais dinâmica, permitindo o acesso a memórias profundas e significativas.
Esse processo pode favorecer a ressignificação de traumas e o acesso a novas interpretações emocionais sobre eventos passados. É por isso que muitos pacientes relatam não apenas lembranças vívidas, mas também uma nova forma de compreender suas experiências durante sessões terapêuticas.
Um cérebro mais flexível
O efeito combinado da hiperconectividade, da diminuição da DMN e da ativação do hipocampo resulta em um estado temporário de flexibilidade cognitiva e emocional. Em outras palavras, o cérebro se torna mais maleável, permitindo reorganizar narrativas pessoais e padrões de comportamento.
Pesquisadores da University of California, San Francisco (UCSF) reforçam que essa flexibilidade abre uma “janela de oportunidade terapêutica”, na qual pacientes podem trabalhar memórias, crenças e emoções de forma mais integrada e saudável (DOI: 10.1177/0269881120959603).
O que a ciência já demonstrou
Diversos ensaios clínicos em andamento confirmam o potencial terapêutico da psilocibina:
- Johns Hopkins University (EUA): mostrou eficácia na redução de sintomas de ansiedade e depressão em pacientes com câncer avançado (DOI: 10.1177/0269881116675513).
- NYU (EUA): ensaios em andamento investigam psilocibina para transtorno do uso de álcool, com resultados preliminares promissores (DOI: 10.1176/appi.ajp.2022.21090957).
- Imperial College London (Reino Unido): pioneiro em mapear os efeitos cerebrais com fMRI, demonstrando a hiperconectividade funcional descrita acima.
- Yale e UCSF (EUA): exploram o potencial da psilocibina para TEPT, ansiedade generalizada e até condições neurodegenerativas, como Alzheimer.
Mais do que neurociência, uma oportunidade humana
Embora seja fascinante entender o que acontece no cérebro sob a ação da psilocibina, talvez o mais transformador não seja apenas a bioquímica. O verdadeiro impacto está no que esse estado de flexibilidade mental permite que a mente veja, sinta e reorganize quando há suporte terapêutico adequado.
A psilocibina silencia o piloto automático e abre espaço para conexões novas — não apenas entre neurônios, mas também entre a pessoa e sua própria história de vida. É por isso que, cada vez mais, universidades de ponta e instituições de saúde investigam seu uso como ferramenta terapêutica: não como solução mágica, mas como ponte para processos profundos de autoconhecimento e cura.
Conclusão
A ciência mostra que a psilocibina promove um rearranjo funcional do cérebro: mais conexões, menos rigidez, maior protagonismo da memória emocional e abertura a novas narrativas. Esses mecanismos explicam por que tantos estudos clínicos têm encontrado resultados promissores em condições de difícil tratamento.
Mais do que o que a psilocibina “faz” no cérebro, o que importa é o espaço que ela abre para que o indivíduo possa ressignificar suas experiências, emoções e traumas com profundidade e humanidade.
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🔗 Referências
- Carhart-Harris RL et al. PNAS. 2016;113(17):4853–4858. DOI: 10.1073/pnas.1518377112
- Carhart-Harris RL et al. NEJM. 2021;384:1402–1411. DOI: 10.1056/NEJMoa2032994
- Griffiths RR et al. J Psychopharmacol. 2016;30(12):1181–1197. DOI: 10.1177/0269881116675513
- Bogenschutz MP et al. Am J Psychiatry. 2022;179(6):422–433. DOI: 10.1176/appi.ajp.2022.21090957
- Schenberg EE. J Psychopharmacol. 2021;35(4): 393–400. DOI:
- 10.1177/0269881120959603

