A ciência por trás da cetamina: neurobiologia e mecanismos de ação

os mecanismos neurobiológicos e os efeitos antidepressivos rápidos e duradouros da cetamina

 

 

Além da serotonina

 

Durante décadas, os antidepressivos disponíveis no mercado basearam-se quase exclusivamente na modulação dos sistemas monoaminérgicos, em especial serotonina, noradrenalina e dopamina. Apesar de úteis para milhões de pessoas, até 30% dos pacientes com depressão maior não respondem adequadamente a esses tratamentos. Esse grupo, classificado como portador de depressão resistente, enfrenta longos períodos de sofrimento e prejuízo funcional. Nesse cenário, a cetamina se destacou como uma alternativa disruptiva.

Ao contrário dos antidepressivos tradicionais, a cetamina não atua primariamente sobre serotonina ou noradrenalina. Seu mecanismo é único: trata-se de um antagonista não competitivo do receptor NMDA (N-metil-D-aspartato), um subtipo de receptor de glutamato. Essa diferença inaugura uma nova era na psiquiatria, ao deslocar o foco dos sistemas monoaminérgicos para o sistema glutamatérgico.


 

Plasticidade sináptica: o coração do mecanismo

 

O bloqueio dos receptores NMDA pelos metabólitos da cetamina desencadeia uma cascata de eventos celulares. Esse bloqueio promove a liberação extra de glutamato, que por sua vez ativa os receptores AMPA. A ativação dos receptores AMPA gera um efeito em cadeia: sinalização intracelular intensificada, liberação de mTOR (mammalian target of rapamycin) e aumento na expressão de BDNF (fator neurotrófico derivado do cérebro).

O BDNF desempenha um papel central na neurogênese (formação de novos neurônios) e na sinaptogênese (criação de novas conexões entre neurônios). É como se a cetamina desbloqueasse um processo de “renovação cerebral”, fortalecendo redes enfraquecidas pela depressão. Isso explica, em parte, a rapidez com que pacientes relatam melhora — muitas vezes em poucas horas após uma infusão.


 

Desativando redes rígidas

 

Outro efeito importante é observado por meio da neuroimagem funcional. Estudos demonstram que a cetamina reduz a hiperatividade da rede de modo padrão (DMN, Default Mode Network), frequentemente associada à ruminação, ao pensamento repetitivo negativo e à construção rígida do ego.

Quando a DMN é “desacelerada”, abre-se espaço para novos padrões cognitivos e emocionais. Essa flexibilização pode ajudar o paciente a escapar de ciclos de pensamentos automáticos, ampliando a possibilidade de novos insights, perspectivas e formas de lidar com emoções.


 

Evidência científica robusta

 

O interesse científico pela cetamina cresceu exponencialmente nas últimas duas décadas. Diversos estudos pré-clínicos e clínicos validam seus efeitos.

  • Em modelos animais, um estudo publicado na Nature descreveu como a cetamina restaurou rapidamente a conectividade sináptica após estresse crônico (DOI: 10.1038/nature12148).

  • Ensaios clínicos em humanos demonstraram que o aumento de BDNF após infusão de cetamina está diretamente correlacionado à melhora clínica dos sintomas depressivos (DOI: 10.1176/appi.ajp.2018.17090996).

  • Revisões sistemáticas confirmam que, além do efeito rápido, a cetamina pode gerar benefícios duradouros quando usada em protocolos controlados, especialmente em depressão resistente e ideação suicida aguda.

 


 

Implicações clínicas

 

A rapidez da resposta é um dos maiores diferenciais. Enquanto antidepressivos convencionais podem levar de 2 a 6 semanas para surtirem efeito, a cetamina pode reduzir sintomas em menos de 24 horas. Essa característica é particularmente relevante em casos graves, nos quais há risco iminente de suicídio.

No entanto, a substância não deve ser vista como uma “cura instantânea”. Seu uso exige acompanhamento médico rigoroso, protocolos de administração bem definidos e integração com psicoterapia. O efeito da cetamina abre uma janela neurobiológica — um período em que o cérebro está mais receptivo a mudanças. Aproveitar essa janela com intervenções terapêuticas adequadas pode potencializar e prolongar os resultados.


 

Conclusão

 

A ciência da cetamina mostra que seu impacto vai além da simples redução de sintomas. Trata-se de um reposicionamento completo da psiquiatria, que passa a considerar a plasticidade sináptica e a flexibilidade cognitiva como alvos terapêuticos.

Em um campo em que a lentidão das respostas e a ineficácia para muitos pacientes eram desafios históricos, a cetamina surge como um divisor de águas. Ao promover neurogênese, restaurar conexões e flexibilizar redes neurais, ela oferece uma nova esperança para pessoas que antes se viam sem alternativas.

O que aprendemos com a cetamina não apenas beneficia os pacientes atuais, mas abre caminho para o desenvolvimento de novas terapias baseadas no glutamato, na plasticidade cerebral e em mecanismos inovadores. Assim, ela marca um capítulo fundamental na busca por tratamentos mais eficazes, rápidos e transformadores para a saúde mental.


 

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