PREOCUPAÇÕES ÉTICAS DO USO DE PSICODÉLICOS PARA O TRATAMENTO DE TRANSTORNOS POR USO DE SUBSTÂNCIAS

O uso clínico dos psicodélicos produz, de forma confiável, estados de consciência substancialmente alterados. As substâncias consideradas psicodélicas clássicas incluem psilocibina (derivada do cogumelo psilocibo), dietilamida do ácido lisérgico (LSD), N,N – dimetiltriptamina (DMT) e mescalina (3,4,5-trimetoxifenetilamina). 

Com exceção do LSD, que foi produzido sinteticamente em 1938, na Suíça, as substâncias psicodélicas naturais têm sido utilizadas em ambientes espirituais comunitários e rituais religiosos, em diversas culturas, há gerações. 

Os psicodélicos estão sendo avaliados, substancialmente, para o tratamento da ansiedade, do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e também para o tratamento de transtornos por uso de substâncias (TUS), como transtorno por uso de álcool e transtorno por uso de tabaco. 

Estudos do Center for Behavioral Health, Neurological Institute da Cleveland Clinic, analisaram a história e os desafios que cercam o uso de psicodélicos no tratamento de TUS, resgatando estudos realizados nas décadas de 1950 e 1960, quando os investigadores intensificaram essa linha de pesquisa. 

Na época, o transtorno por uso de álcool era um grande problema e os investigadores tinham interesse em usar LSD para tratá-lo. Muitos testes foram realizados, mas resultaram em resultados mistos. Outro estudo descobriu que os participantes que estavam mais preparados e tomaram os psicodélicos em um ambiente relaxante, em vez de em um quarto de hospital ou amarrados a uma cama, tiveram melhores resultados. 

As preocupações éticas sobre métodos e processos despontaram em um momento que não havia obrigatoriedade de permissão da FDA para pesquisas e, apesar de diversos estudos demonstrarem que os psicodélicos podem melhorar o quadro clínico geral do paciente, surgiram dúvidas sobre a administração de  uma substância psicoativa para alguém que já tem histórico de transtorno por uso de substâncias. 

Esses questionamentos corroboraram para fomentar as pesquisas sobre a segurança de todas as classes de drogas psicoativas. Observou-se que os psicodélicos têm agonistas dos receptores da serotonina 2c que ativam os receptores da serotonina, o que, em última análise, reduz a dopamina na via de recompensa. Como a dopamina nessa área é o que impulsiona o vício, os pacientes têm menos probabilidade de se tornarem viciados em psicodélicos. 

No domínio da ética médica, existe uma distinção útil entre moralidade negativa e moralidade positiva. A moralidade negativa descreve regras ou leis morais que são amplamente reconhecidas socialmente e interpretadas como vinculativas, que nos impedem de tomar certas ações ou nos dizem o que não devemos fazer. 

A moralidade positiva, por outro lado, pergunta o que devemos fazer. Se, ao longo de tratamentos eficazes, pudermos ajudar a promover uma das experiências mais positivas e significativas da vida de um paciente, sem riscos indevidos, então, na perspectiva da moralidade positiva, poderemos estar sob alguma obrigação de proporcionar tal experiência.

Tal abordagem é consistente com operacionalizações de saúde de longa data, como a adotada pela Organização Mundial da Saúde, em 1948. Segundo a OMS, “A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. 

É incontroverso que um dos principais objetivos da medicina seja melhorar a saúde da população. A este respeito, uma abordagem negativa da moralidade pode instruir-nos a evitar ações que possam causar doenças ou enfermidades. Na melhor das hipóteses, exige que apliquemos as ferramentas da medicina para tratar os problemas existentes (uma vez que os tratamentos disponíveis não devem ser negados). 

No entanto, uma abordagem positiva da moralidade também pode incluir o dever de promover, de uma forma mais holística, o bem-estar físico, mental e social dos pacientes sob os cuidados médicos e terapêuticos. Os objetivos morais da medicina abrangem mais que simplesmente “não causar danos” (isto é, o princípio da não maleficência), em vez disso, os médicos e outros prestadores de cuidados de saúde têm um dever ético positivo de beneficência (ou seja, de fazer o bem). 

Para endossar a segurança no uso de psicodélicos, estudos clínicos apontaram que menos de 1% dos participantes relataram efeitos negativos persistentes (e destes, apenas uma minoria necessita de apoio terapêutico), enquanto cerca de 75% dos participantes relataram que a experiência, como observado, pode ser considerada entre as mais significativas de toda a sua vida. 

Outro princípio importante é a necessidade de fundamentar as decisões de saúde em uma postura de respeito pelas pessoas, muitas vezes operacionalizada, em termos de valorização da autonomia do indivíduo. Autonomia significa permitir que os indivíduos escolham os fins que eles próprios valorizam, desde que outros não sejam indevidamente prejudicados (ou desrespeitados) na continuidade desses fins. 

Não há dúvida de que a descoberta de tais substâncias é valiosa cientifica e clinicamente. De modo geral, as pessoas valorizam o bem-estar (que normalmente é reforçado pela experiência subjetiva de substâncias psicodélicas, tomadas nas condições certas), mas este não é o único fim valioso que as pessoas podem perseguir. 

Ao contrário disso, ter uma vida significativa também é altamente valorizado pela maioria das pessoas e é notável que os efeitos subjetivos típicos dos psicodélicos sejam, frequentemente, caracterizados em termos de significado e não simplesmente de aumento do humor positivo ou mesmo de bem-estar geral. 

Referências

YADEN, David B.; EARP, Brian D.; GRIFFITHS, Roland R. Ethical issues regarding nonsubjective psychedelics as standard of care. Cambridge Quarterly of Healthcare Ethics, v. 31, n. 4, p. 464-471, 2022.

Doi: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC9672929/

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